A primeira vez que minha mãe se zangou comigo
Eu era uma bola de sangue
(mais precisamente um zigoto)
O motivo da ira é porque não tínhamos
Pães, nervos e similaridades para eu nascer
Meu pai sumia sempre às sextas-feiras
Não era de beber; seu mal, pelo o que me parece
Eram vulvas bem recheadas
Desconsolada, minha mãe decidira que transportaria
A bola de sangue da vagina para o sanitário
Do sanitário para o esgoto
Com a salvação que meu pai comprara clandestinamente
No entanto, nenhum filete de sangue escorreu da feridinha de mamãe.
À contragosto, meu pai comprou outra dose
Só que dessa vez ela se recusou a tomá-lo
Sentiu medo, e talvez temor à Deus
Mas meteu o comprimido goela abaixo
E Bisnaga adentro no priquito
Horas mais tarde veio a hemorragia
E comemoram, por fim.
Continuaram a mesma celebração todo mês
Por colocarem absorventes ao invés de fraldas nas compras de supermercado.
Uma noite, porém, minha mãe deitou-se de bruços
E uma espécie de ondular na barriga
– Como se algum peixe nadasse ali dentro – a assustou.
A dança repetiu-se diversas vezes
Até que procurou um médico que lhe passou exames de fezes e de urina.
O resultado foi intrigante: tinha no bucho uma hospedeira
Que já contava aproximadamente 25 cm, 350g e 21 semanas de vida
Mas como pode, doutor? Não tenho barriga. Além disso, minhas regras…
Milagres acontecem, minha filha.
A esta altura não restava raiva nenhuma por mim,
E me pedia incontáveis pedidos de desculpa a todo momento.
Ainda hoje, o lugar mais aconchegante é o útero da minha mãe
Mesmo quando ela está brava (o que continua a ocorrer frequentemente).
Por exemplo, a segunda vez que minha mãe se zangou comigo (seriamente)
Foi aos 15 anos, quando me contou essa história.
VANESSA TEODORO TRAJANO