Yanomami ameaçados pelo garimpo se manifestam pedindo “fora garimpo” da Terra Indígena. Foto: Victor Moriyama/ISA. (mab.org.br)

Dois episódios de violência na Terra Indígena Yanomami no final de semana demonstraram a resistência armada de garimpeiros no território em aberto desafio às forças públicas e ao estado democrático de direito. Infelizmente um Yanomami, agente comunitário de saúde, foi assassinado por garimpeiros e outros quatro mineradores foram mortos por agentes da PRF e do Ibama em tiroteios distintos no sábado (29) e no domingo (30) – todas as mortes devem ser lamentadas, inclusive dos invasores. Outros dois Yanomami, feridos a bala pelos garimpeiros, passaram por atendimento de emergência no hospital de Boa Vista. Ao fim dos primeiros 90 dias do decreto presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva que determinou a retirada dos invasores e o socorro aos Yanomami, a sensação é de que a hora da verdade chegou para a ação de expulsão dos intrusos.

Em especial para os militares. Eles detêm, a partir do dinheiro público proveniente dos impostos pagos por todos os cidadãos, os meios de transporte, os armamentos e o pessoal para fazer cumprir a ordem presidencial. Têm aviões, helicópteros, barcos, lanchas, aparelhos de comunicação, milhares de soldados e oficiais, tudo entregue a eles pelos civis para que desempenhem suas funções. Deveriam vir a público para explicar, mas não vão, por que essa imensidão de recursos não está sendo usada com toda força e eficiência a fim de completar a expulsão dos invasores.

Quem acompanha as reportagens veiculadas pela Agência Pública sobre a crise humanitária na Terra Indígena Yanomami e leu esta newsletter do final de fevereiro sabe as dúvidas que pairam sobre o papel crucial que as Forças Armadas deveriam desempenhar na desintrusão do território. Em fevereiro, já havíamos alertado que os militares “pouco faziam” para a retirada dos garimpeiros. Não criaram bases temporárias de ocupação do território. Mudaram duas vezes a data limite para o fechamento do espaço aéreo, gerando desinformação e demonstrando hesitação. Em março, o Ministério da Defesa se recusou a corrigir 46 pistas de pouso que a presidente da Funai, Joênia Wapichana, apontou como prioritárias tanto para o socorro sanitário quanto à própria operação de desintrusão.

O comandante do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, vinculado ao Ministério da Defesa, o almirante de esquadra Renato Rodrigues de Aguiar Freire, na ocasião respondeu à Joênia por escrito que o assunto deveria ser resolvido por outro órgão público. Chamou de “consulta” o pedido urgente da Funai. Em síntese, mandou a Funai passear. Há ainda diversas reclamações contra os militares a respeito de demora e falhas na distribuição de cestas básicas.

 

Como dito algumas vezes pelos servidores públicos dos órgãos mais diretamente envolvidos na operação de desintrusão – a saber, Ibama, Funai, Polícia Federal, Força Nacional e Polícia Rodoviária Federal –, a participação dos militares precisa ser definitiva.

 

Hoje as principais dificuldades no combate aos garimpos ilegais são o transporte aéreo e o efetivo controle do tráfego de aviões do garimpo. Isso foi explicado com todas as letras à Pública pelo diretor de Amazônia e Meio Ambiente da Polícia Federal, Humberto Freire de Barros, no início de abril. O delegado disse que “tem demandado ao Ministério da Defesa que efetivamente haja esse controle [do espaço aéreo] e que efetivamente seja estancada a logística aérea para dentro da terra Yanomami, só sendo permitida aquelas autorizadas pela própria Força Aérea”.

 

Os tiroteios recentes na terra Yanomami colocam a nu as Forças Armadas. A ordem do presidente da República dirigida indiretamente aos generais, almirantes e brigadeiros aguarda cumprimento. No domingo, uma equipe do Ibama e da PRF foi recebida a tiros assim que chegou, de helicóptero, a um garimpo na região de Waikás. É a sexta vez que isso ocorre no território. A Pública revelou o ataque anterior mais sério, em 14 de março, quando um helicóptero do Ibama foi alvejado.

Onde estão os militares enquanto garimpeiros disparam contra fiscais em pleno exercício das suas funções? Nesta segunda-feira (1) descobriu-se que um dos mortos na operação de domingo, Sandro Moraes de Carvalho, era conhecido como integrante de uma facção criminosa e foragido da Justiça do Amapá sob acusação de roubo qualificado. Ele aparece em vídeos e fotos ostentando e usando diversas armas, incluindo um fuzil. Só essas informações dão a medida dos riscos enfrentados pelos servidores civis que atuam no território Yanomami.

 

Em todos os casos anteriores, ficou evidente que o número mobilizado de profissionais do Ibama e da PRF para a fiscalização não impressionou os garimpeiros. São órgãos infinitamente menores do que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. Uma das regras básicas nas operações de desintrusão é que o Estado apareça com um peso tão grande, em termos de agentes e equipamentos, que desestimule imediatamente qualquer reação armada. É exercer o poder de dissuasão. Os militares estufam o peito quando falam sobre esse conceito, e com base nisso vão às compras todos os anos. Os Yanomami e os servidores federais civis querem saber onde estão esses equipamentos. Se não servem para defender um território que faz uma extensa fronteira seca com a Venezuela, para quê serviriam?

É verdade que os militares têm apoiado ações da Polícia Federal. Mas elas também têm sido pontuais e não abarcam todas as necessidades da desintrusão. Uma força militar permanente de acompanhamento, com toda a logística possível, deveria ser adotada a cada saída de cada fiscalização, seja do Ibama, seja da PF – isso para ficar no aspecto mais simples.

Em entrevista coletiva nesta segunda-feira (1) em Boa Vista (RR), a ministra Sonia Guajajara (Povos Indígenas) de novo pediu que os garimpeiros saiam de forma pacífica e voluntária do território indígena e a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) prometeu que o governo vai “intensificar as ações”. Novamente caberá às Forças Armadas demonstrar o quão rápido querem – ou se querem – mudar o cenário na terra Yanomami.

 

Rubens Valente 
rubensvalente@apublica.org
Colunista da Agência Pública

 

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