Por F. Carvalho

Ilustração: web

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“No tempo que Dom-dom jogava no Andaraí/Nossa vida era mais simples de viver”. Estes versos do sambista Nei Lopes, cantados por Zeca Pagodinho e Dudu Nobre, são pérolas artísticas, mas também encerram uma metáfora.
Embora mais divertida, a vida está mesmo ficando complicada a cada dia. Muito diferente dos tempos em que não havia tantos apelos visuais e sonoros por todos os lados ou quando não estávamos conectados a geringonças tecnológicas que nos controlam mais que nos ajudam. Bons tempos aqueles que não tínhamos a obrigação de decifrar o enigma de uma esfinge a cada dia, sob pena de sermos devorados.
Estamos reféns! Ninguém consegue mais marcar uma reunião se não for com a ajuda do bendito celular!
– Cadê fulano? Ainda não chegou? Liga pro celular dele.
Ou então:
– O data-show pifou. Faltam 15 minutos para começar a palestra. Quem tem um para alugar?
Como é que as pessoas conseguiam resolver problemas de última hora no tempo que Dom-dom jogava no Andaraí? O fato é que resolviam. Tudo funcionava, tudo acontecia. Todo mundo se virava deixando recados, bilhetes, pos-its, etc e tal. Hoje, não. Ninguém sabe, ou melhor, não consegue mais levar a vida naquela maciota. Certo mesmo está aquele personagem do José Wilker: “O tempo ruge”. Ruge atrás de nós, chutando a sola do nosso sapato. E quem não andar na velocidade ditada pelos novos tempos termina atropelado sem direito a socorro, porque ninguém tem tempo sequer de ligar para o Samu.
Só tem um jeito: correr. Correr na frente porque quem corre trás termina, quase sempre, sapateado nesta corrida de resistência que é a vida, ainda mais agora. Nada parece mesmo com o tempo que o Dom-dom jogava no Andaraí. É claro que tem muita gente folgada por aí. Estou falando dos reles mortais como a gente, eu e você que está aí queimando pestanas diante deste monitor.
Mas não serão por estas, nem por coisas piores, que falaremos mal da existência. A vida é mesmo assim, como rapadura: doce, mas não é mole. Vamos nós com tudo, para cima da esfinge com seus enigmas desafiadores. Não tem outro jeito. É pegar ou largar.
Agora fácil mesmo deve ter sido no tempo que o Juscelino foi presidente. Ele deve ter sido contemporâneo do Dom-dom. Fez em cinco anos o que era para ser feito em cinquenta, transformando o Planalto Central num eldorado que arrebanhou milhares de desempregados, especialmente do Nordeste. Nos dias de hoje ele talvez não tivesse conseguido, em cinco anos, sequer abrir uma clareira no cerrado para erguer o Catetinho, onde deve ter namorado muito. Pra baixar o facho do presidente Bossa Nova bastava meia dúzia de artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal(LRF) e mais alguns da Lei 8.666/01, a Lei das Licitações, todas famosas e não menos necessárias num país que desenvolveu a burocracia para dificultar a vida dos salafrários de plantão. Mas termina mesmo é nos afastando ainda mais do tempo que o Dom-dom jogava no Andaraí.
Na época do Juscelino, não. Era só pegar dinheiro emprestado do Tio Sam, endividar o Brasil e mandar ver. O chavão “homens e máquinas trabalhando”, tão surrado nos dias de hoje, deve ter começado a apanhar muito naquela época, em barulhentos teclados que faziam sinfonia nas redações de jornais.
Mas também não disseram nada ainda capaz de provar que os tempos do Dom-dom eram melhores que os de hoje. Acho mesmo que tudo não passa de mero saudosismo e malandragem de sambista.
Preferível viver corrido e acossado pelos ponteiros dos segundos, mas também cercado de possibilidades outras. O Dom-dom precisava ter vivido um pouco mais.

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