Nelson Rodrigues, o "Anjo Pornográfico".

Nelson Rodrigues, o “Anjo Pornográfico”.

Numa dessas noites insones, bateu em mim o desejo de reler Nelson Rodrigues, um dos autores de minha preferência. Dentre os vários títulos, escolhi justamente Flor de obsessão, uma coletânea das 1000 melhores frases do nosso eterno – e sempre atual – “Anjo Pornográfico”. Livro organizado por Ruy Castro, estudioso de sua obra, e editado pela Companhia das Letras. Tão genial quanto à obra teatral, é o rosário de frases que ele criou com o intuito de sacudir certos valores nacionais, como se pode conferir a seguir:

ADULTÉRIO

Na vida real ou na ópera-bufa, o marido das velhas gerações era o último a saber. Cegueira plácida e obtusa. A mulher namorava nas suas bochechas. Hoje, o marido moderno é o primeiro a saber. Muitos sabem antes do pecado. E alguns sabem até antes do amante.

AMOR

A partir do momento em que o ser humano separou o amor do sexo, passamos a fazer muito e nenhum amor. Ficamos no desejo, eis a verdade. E o desejo, como tal, se frustra com a posse. A única coisa que dura para além da vida e da morte é o amor.

BRASILEIROS

No Brasil, há plateia para tudo e o brasileiro é, por vocação, plateia. Se um camelô vende caneta-tinteiro, junta gente; se morre um cachorro atropelado, junta gente; e, se passa um batalhão, nós vamos atrás. O brasileiro tem uma alma de cachorro de batalhão.

CASAMENTO

Como, geralmente, a mulher escolhe o marido errado e o marido escolhe a mulher errada, aquele entusiasmo inicial dos primeiros oito dias – durante os quais até uma víbora, até uma lacraia ficam interessantes – cai em ponto morto e vem uma amizade que é apenas um hábito, uma rotina.

COMPAIXÃO

Acontece aqui uma coisa misteriosíssima e linda. Se o sujeito morre na rua, atropelado ou por outro motivo qualquer, surge, instantaneamente, uma vela ao seu lado. É automático. Ninguém sabe, e não saberá jamais quem pôs a vela, e que fósforo a acendeu. A chama trêmula, que nenhum vento apaga, torna a morte mais amiga, mais compadecida e mais feérica.

HUMOR

Antigamente, o humorista fazia graça. Pagava o leite do caçula e o sapato da mulher com piadas. Mas, agora, nossos humoristas resolveram ser profundos. Sentem-se insultados se forem chamados de humoristas. Só que a profundidade deles é dessas que uma formiguinha atravessa a pé, com água pelas canelas.

MORALISMO

Minhas peças têm um moralismo agressivo. Nos meus textos, o desejo é triste, a volúpia é trágica e o crime é o próprio inferno. O espectador vai para casa apavorado com todos os seus pecados passados, presentes e futuros. Numa época em que a maioria se comporta sexualmente como vira-latas, eu transformo um simples beijo numa abjeção eterna.

PROSTITUTAS

O poeta falou na “mais antiga das profissões”. Não sei se será bem assim. Minha experiência de Mangue, de repórter e de dramaturgo insinua outra verdade,ou seja: – a primeira prostitua não era mercenária. Fazia o que fazia por um dom, por uma graça, quase por uma destinação poética. Talvez seja mais válido falar-se na mais antiga das vocações.

SOLIDÃO

Primeiro, o homem não sabia estar só. Andava sempre em hordas ululantes. E quando, por acaso, desgarrava dos demais, uivava até morrer. Era, assim, o medo que juntava os homens, e repito: – a multidão nasceu do medo. O ser humano só se tornou humano, e só se tornou histórico, quando aprendeu a ficar só.

TEMPO

O tempo é o perfeito amoral, que não discrimina canalhas e puros, virgens e messalinas. Um gângster como Nero é, hoje, apenas um afetuoso nome de cachorro.

VINGANÇA

Numa vingança por adultério, o lógico é que morra o amante. Ou então a mulher. O marido por quê, ora bolas? Só porque forneceu a mulher, sem saber e sem querer?

Conteúdo relevante??? Compartilhe!!!