Foto: Ilustração.

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Recentemente alguém indagava, no Facebook, qual teria sido a maior invenção humana até hoje. Sem titubear, respondi a rede de dormir, indiferente às zombarias dos outros. Enquanto a quase totalidade dos internautas listava descobertas impactantes no cotidiano moderno das pessoas – avião, carro, split, televisor, cinema, rádio e celular -, eu vinha com algo simples, de origem indígena, que marca não só a minha como a vida de um monte de nortistas e nordestinos. Hábito esse adquirido de nossos antepassados e surgido logo após o nascimento, o sono puro acalentado sob o balanço da “hamaka”, seu nome original. Independente da matéria prima usada na sua confecção (cipó ou tecido), o objetivo continua o de aquietar o esqueleto da gente, recarregando-o para as batalhas diárias nesta doideira muito perigosa chamada existência.

Lá em casa todo santo dia, aliás, brigamos por sua causa. Ainda mais à noite, de madrugada, quando troco a cama pela rede. Inconformada, a patroa ameaça tocar fogo nela. Ou, o que é pior, me botar no olho da rua. Quem já viu, questiona sempre, abandonar a mulher e ir dormir sozinho. Difícil é suportar, em seguida, o golpe desferido à figura do amante: “um pedaço de pano é, por acaso, tão macio quanto meus braços?”. Não fosse a paixão pela rede, além de ouvir a mesma história há 33 anos, talvez já tivesse desistido do gostoso balançar. Passadas as zangas, ela própria tem me presenteado, vez por outra, com redes belíssimas, compradas no interior do Piauí e do Ceará. Ao todo, são umas oito à disposição, limpas e cheirosas, só no ponto de deitar e curtir a malemolência, alheio à crise econômica e aos infortúnios da vida.

A presença da rede em nossa cultura remonta aos textos dos primeiros escritores aportados em solo nacional, nos séculos XVI e XVII, como podemos verificar na famosa Carta de Pero Vaz de Caminha: “…Tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rêde atada pelos cabos, alta, em que dormiam.” Ou, então, nos escritos de Jean Lery, pastor francês: “Entramos numa casa da aldeia onde, de acordo com o costume da terra, nos sentamos cada qual em sua rêde.” Outro a registrar esse importante utensílio doméstico, ao desembarcar no Brasil, foi Padre José de Anchieta, missionário ligado à catequese dos índios: “… em lugar da cama, usa a máxima parte dos irmãos de uns panos tecidos à maneira de rêde, suspensos por duas cordas e traves…” Até mesmo o maior orador sacro em língua portuguesa, padre Antônio Vieira, afeito a temas mais profundos, manifestou também suas impressões: “Nas celas de taipas pardas, e telhas vãs alguns livros, catecismos, disciplinas, cilícios, e uma tábua ou rêde em lugar de camas.”

Para fugir do calor insuportável de Teresina, não existe acomodação melhor, sobretudo, ao ser estendida debaixo de uma árvore ou num cantinho de apartamento. Quando falta energia, penduro logo a minha na varanda da casa e, feito menino, balanço tentando pegar as estrelas, inspirado na beleza da lua. Nesses momentos, a rede nos deixa, como diria Drummond, comovidos como o diabo. Bom esticar as pernas e gozar a preguiça. Mas quando Lucíola resolve aparecer, compartilhando a mesma alegria, a festança é das grandes, vindo à tona o belo poema de Salgado Maranhão, Ode à rede: “o design da rede/ se aprimora no corpo/ e no espaço. seu côncavo/ abraço de mulher/ induz ao santo ócio/ tema para sombra e/ solo de árvores, inda/ que seja breve o toque/ é manjar para deuses/ amantes – o desfiar/ de sonhos de algodão,/ – a lã que a rede enreda.”

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