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Maria Bethânia sempre nos surpreendendo nos espetáculos que apresenta Brasil afora. E o que é melhor, de forma positiva, semeando ideias interessantes. Caso não tenha acompanhado pela mídia, explico agora tudinho para você: num show realizado no Sesc Pinheiros de São Paulo, intitulado “Bethânia e as Palavras”, a cantora baiana defendeu a leitura de poesia nas salas de aula. Mais do que ninguém, ela tem autoridade nessa área, destacando-se como uma declamadora imcomparável de textos dos grandes nomes da literatura em língua portuguesa, dentre os quais despontam Fernando Pessoa e seus heterônimos, Carlos Drummond de Andrade, Castro Alves e Guimarães Rosa. Sua proposta merece apenas um reparo, ao restringir-se apenas às escolas públicas, quando a poesia deve chegar a todas indistintamente (incluindo as particulares) e ser cultivada em todos os níveis de ensino, do fundamental ao superior.

O momento no poderia ser mais oportuno para se levantar essa tese, época hoje marcada por tanta violência e preconceitos. Embora não tenha um sentido utilitário na sociedade mercadológica que vivemos, a poesia tem a capacidade de mexer com os sentimentos dos estudantes, tornando-os melhores e solidários aos problemas humanos. Quando mais cedo for servida como prato especial no dia a dia escolar, melhor para todos, especialmente na vida das crianças, sempre abertas a novos aprendizados. Segunda a poeta Graça Vilhena, a poesia é uma arte que serve para aguçar a sensibilidade das pessoas. Ou, no sábio dístico de William Soares, outro poeta piauiense, ela pode até não resolver nada, mas revolve a gente de maneira constante e perturbadora. Sem a poesia, talvez já tivéssemos naufragado de vez, boia a nos garantir segurança e leveza.

Mas deixemos de lero lero e curtamos, alguns dos mais expressivos poemas da literatura brasileira, começando por Ausência, de Carlos Drummond:  “Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência./ A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.” Depois saltemos para O último poema, do extraordinário Manuel Bandeira: “Assim eu quereria meu último poema/ Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais/ Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas/ Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume/ A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos/ A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.”

Fernando Pessoa é um nome que não pode faltar, de acordo com Bethânia, em qualquer lista de leitura poética, como exemplifica Autopsicografia: “O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente/ Que chega a fingir que é dor/ A dor que deveras sente.// E os que leem o que escreve,/ Na dor lida sentem bem,/Não as duas que ele teve,/ Mas só a que eles não têm.// E assim nas calhas de roda/ Gira, a entreter a razão,/ Esse comboio de corda/ Que se chama coração.” Entre os piauienses, Mário Faustino é imprescindível, com o seu  antológico Prefácio: “Quem fez esta manhã , quem penetrou/ À noite os labirintos do tesouro,/ Quem fez esta manhã predestinou/ Seus temas à paráfrases do touro,/ A traduções do cisne : fê-la para/ Abandonar-se a mitos essenciais,/ Desflorada por ímpetos de rara/ Metamorfose alada , onde jamais/ Se exaure o deus que muda , que transvive./ Quem fez esta manhã fê-la por ser/ Um raio a fecundá-la , não por lívida/ Ausência sem pecado e fê-la ter/ Em si princípio e fim : ter entre aurora/ E meio-dia um homem e sua hora.” Ei! Bethânia, parafraseando seu irmão Caetano, hoje eu envio um abraçaço pra você. Afinal, a vida só faz algum sentido quando acompanhada de poesia.

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